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O Jesuíno vivia para trabalhar. Ou seja, dedicava-se à profissão a 150%. Não tinha tempos livres, muito menos diversões. A família já o tinha dado por perdido, nem se lembravam que existia, salvo um mail não respondido pelo Natal.
O homem não se sentia gente, aliás não sentia coisa nenhuma. Era uma máquina de produção. E achava que gostava. Na verdade nem isso, porque gostos e sentimentos eram coisa que desaprendera. Agora tudo se resumia a fazer mais, cada dia mais. Uma maratona de mais, uma guerra contra si mesmo.
O homem definhava.
O homem estava acorrentado à secretária… e queria nunca se desacorrentar. Os colegas nem assomavam, não estavam para ser enxotados. Houvera tempo em que alguns tentaram chegar-se para discutir um ou outro ponto de projectos afins. Fugiram, dado qualquer conversa se transformar num tiroteio de que o Jesuíno era o indiscutível vencedor: o que mais sabia, o que mais se esforçava, o que mais publicava, o mais capaz. Aliás a conclusão era sempre a mesma: "cambada de incompetentes. Corja de falhados."
O homem ardia em rancores.
Não sabia de notícias, nem de noites nem de manhãs, nem de brancos nem de amarelos. Para quê? Ele sabia a fundo da sua área e sabia que todos os demais estavam errados e que o mundo era uma selva. Urgia dedicar-se a 200% ao trabalho.
O homem dormia no escritório dado que os trajectos casa-trabalho só significavam perda de tempo. De todo o modo não havia vivalma no domicílio. Deixou de pagar as contas e tornou-se um eremita científico. Uma só janela para o mundo: o computador na internet.
O homem era apontado a dedo, esquizitóide. Certos novatos gananciosos por fama tomavam-no como exemplo: aí está um tipo que foi longe. Pouco depois apercebiam-se que o homem perdera o impacto a par e passo que perdera a capacidade de estar com alguém.
O homem fixou-se no lado oculto da lua. O gosto dera em dever e este transformara-se em ter de ser. O trabalho já era um sacrifício a que se obrigava, o cilício diário.
O homem sentia-se mais doente por dentro do que por fora. Passou a dedicar-se a 250% ao trabalho.
E um dia… “abraça-me trabalho” inventou o Jesuíno enquanto a última dor lhe estraçalhava o peito.
Karōshi - morte por excesso de trabalho. O Japão lançou o termo e o alerta para esta doença ocupacional e/ou mental (compulsão ao trabalho). O Ministério da Saúde, Trabalho e Previdência Social japonês publicou em 2007: 147 trabalhadores morreram por este problema (acidentes vasculares cerebrais ou enfartes cardíacos); todas mortes associadas a longas horas de trabalho, trabalho por turnos e horários irregulares. A maioria das vítimas trabalhava mais de 3000 horas por ano, pouco antes do falecimento.
ALERTA! Fatores psicossociais no topo dos problemas de saúde ocupacional.