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- Bom ano!
- Obrigada. Como vai?
- Já estive melhor...
- Então?
- Lembra-se qie o meu problema tem todo a ver com o trabalho?
- Sim.
- Pois, já estava a ultrapassar aquela de me tirarem do lugar que foi meu durante 11 anos e agora andar aí aos caídos, conforme o que faz falta (é Segurança). Lá me ergui e não esmoreci mais a pensar que era uma injustiça e que me estavam a dar cabo da vida... esta incertiza: dois dias aqui , duas semanas ali. E já não bastava terem me colocado logo num edificio que fechou para obras por causa do amianto. Lembra-se?
- Sim, claro.
- Pois, todos tiveram de sair porque aquilo não era seguro mas a mim era para aguentar, e tinha de fazer a ronda e tudo e estar lá 8 horas por dia. Acha bem? Mas lá me recompus e só lá fiquei um mês. Mas isto de andar aos azares, aos dias é muito mau, mas pronto, já me convencia. O pior foi agora.
- Quer então dizer?
- Digo que estou passado, completamente. Nem se acredita... Veja lá: o meu chefe veio ter comigo, foi na semana das consoadas e festas. Ele veio ter comigo, assim com um ar amigável. Até pensei que me vinha dar um presente, ou assim, ele a reluzir. Eu até a estranhar ele vir ter comigo. E depois (crise de choro ansiosa), depois... disse (mais lágrimas). Nem se acredita...
- Noto que coisa boa não terá sido.
- Ele chega-se de falinhas mansas: "Ó, Fernandes tenho aqui uma proposta para lhe fazer. ". E sabe o que era?, nem se acredita..."Então o teu horário é de 8h, tu vives sózinho não te deve fazer diferença, até acho que é bom ...Aproveitas para descansar, passear , ir às miúdas... tu é que sabes. Fazemos assim: trabalhas 4 horas seguidas e entras às 7h em Sintra. Depois tens o tal intervalo teu, e entras outras vez às 8h (da noite) até ás 24h em Alverca. " Até parece mentira.
O trabalho instável é um risco psicossocial, fonte de ansiedade e incertezas na programação da vida. Agora imaginem que além disso o horário de trabalho é de tal forma desregulado que o trabalhador fica completamente à mercê do serviço. Trabalhar por dois periodos separados de várias horas obriga a que não possa haver um verdadeiro periodo de recuperação pessoal. O ir e vir para o local de trabalho, dado que raros trabalham a 100 metros de casa é efetivamente tempo destinado ao trabalho e juridicamente esse tempo e trajeto até está previsto em caso de acidentes de trabalho. Este caso veridico relatado, além de contrariar o código de trabalho, é realmente revelador da escravidão laboral dos nossos dias. Um homem, lá porque não tem família passa a ser entendido com ferramenta de que se dispõe alargadamente. Deixa de ter vida pessoal, ou tem a vida que o patrão lhe prescreve, e aplica-se esta: Trabalho tanto horário que quando chego a casa tenho que escolher entre jantar, tomar banho ou dormir para não chegar atrasado ao serviço.
O Fernandes não aceitou. Não sabe ainda o que o patrão lhe reserva mas sem dúvida que fez a escolha certa. Só que mesmo as escolhas certas são dificeis e implicam perdas.
Bom 2016!
Em1867 Karl Marx publicou o primieiro de um conjunto de 5 livros criticos da economia capitalista- agregados como o CAPITAL. Postula que o valor de uma mercadoria é criado pelo trabalho socialmente necessário à sua produção, e medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. Introduz a ideia de que o trabalho contido na mercadoria possui o caráter duplo de ser trabalho útil (criador de valor de uso) e trabalho abstrato (criador de valor). A compra e venda da força de trabalho é a base do capital, objetivada nas mais valias, na progressiva sua acumulação dentro dum grupo -os capitalistas- geradora antagonismo de classes que desembocaria numa revolução socialista igualitária. Já no século XXI, o francês Thomas Piketty diz que o crescimento económico, a difusão do conhecimento, a tecnologia impediram que fosse concretizado o cenário apocalíptico previsto por Karl Marx mas os seus estudos demonstram que o capitalismo tende a criar um círculo vicioso de desigualdade, pois, no longo prazo, a taxa de retorno sobre os ativos é maior que o ritmo do crescimento económico, o que se traduz numa concentração cada vez maior da riqueza. No período atual, em países como França, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália, os 10% mais ricos que detêm aproximadamente 60% da riqueza nacional. E, invariavelmente, os 50% mais pobres possuem menos de 10% da riqueza nacional. Piketty aponta que o crescimento das desigualdades contribuiu para a instabilidade financeira no mundo. Com o crescimento da desigualdade, houve estagnação do poder de compra, o que impulsionou o financiamento via hipotecas de imóveis. Entre 1977-2007, nos EUA os 1% mais ricos absorveram 60% do crescimento da renda da nação e hoje um indivíduo super-rico possui mais riqueza que um país inteiro. Uma situação de desigualdade extrema pode levar a um descontentamento geral e até ameaçar os valores democráticos.
Muitos economistas partilham a concepção teórica de que a desigualdade é uma consequência das diferentes aptidões e conhecimentos dos indivíduos. E que a educação formal e o mérito permitem a ascensão individual e a convergência distributiva. Na mesma linha, a lei de oferta e de procura, a mobilidade de capital e de trabalho levariam à maior igualdade. Além disso, com mais conhecimento difundido, a participação do trabalho aumentaria a poupança, que seria transformada em capital. Ou seja, na contemporaneidade, a informação seria uma força de convergência de renda.
Contudo, essa visão é ilusória para o autor, o seu estudo sinaliza que as forças de divergência são mais fortes do que de convergência e as últimas são mais fracas do que se imagina. Além disso, há pouca evidência de aumento da participação do trabalho no produto. De outro lado, os super salários cada vez se afastam mais dos salários da população geral, mesmo dos daquelas profissões mais exigentes e com maior valor social (juizes, médicos, professores ...).
Globalmente assiste-se a uma tremenda desvalorização do trabalho e do trabalhador. O mais preocupante é que se visualiza ser o próprio trabalhador espoliado, escravizado por que sujeito ao medo que é co autor da sua desdita: não critica, não participa, não exige condições dignas de trabalho e existência, está drogado pelo consumismo e, sem ética coletiva, lança-se numa competição mortifera com os seus pares.
Talvez o cenário de luta de Marx não se tenha concretizado porque os movimentos socialistas a que deu origem viabilizaram os direitos sociais e a melhor equidade. E agora? Naufragos do capital, afogamo-nos?
Salário é o moeda de troca pelo fornecimento a outrem da "força de trabalho" que alavanca as mais valias produzidas. Parece ser é uma permuta pacífica. Mas...nestes tempos modernos está a tornar-se uma aberração. Há talentosos que desejam reduzir ao máximo, a zero se possível, os salários. Pois, realmente existiu a escravatura, ao que sabemos Portugal foi dos primeiros países a aboli-la. Desenvolvimento? Um dos factores psicossociais de risco elementares é a ausência de um contrato digno em termos salaria
is.
A sobrecarga mental é uma das ferocidades deste novo século. Há incontável informação a ter em conta, informação essa renovada a cada dia. A atenção dispersa-se por uma floresta ondulante de estímulos. A atenção está a ser captada concomitantemente por emissores diferentes. Daí tantos proclamados distúrbios de défice de atenção. A memória é posta á prova nos limites a cada segundo. Há pressões, pressões e velocidade, uma louca e extremada corrida. Tal causa fadiga, à qual se alia uma ansiedade destrutiva. Por maior que seja o esforço nunca é suficiente.
A capacidade de decisão sofre, é impossível abranger tudo o que momento a momento se modifica. É a concentração que se esvai.
Depois…erros, incidentes, insatisfação, mais ansiedade, menor desempenho, mais falhas e caos.
A saúde geral fica comprometida perante a sobrecarga mental.
Lembrem Kafka: "Quanto mais cavalos atrelas para o trabalho, tanto mais rápido ele anda, ou seja: não para arrancar os blocos de alicerce, o que é impossível, mas para rebentar as correias e, como resultado, a alegre viagem vazia. "
Funcionário 1: O Serôdio é um tipo muito antiquado. Vejam lá que sai pontualmente às cinco. Arruma a mala, bem fora de moda por sinal, penteia a melena e despede-se: “então fiquem em boas graças”. Ridiculo!
Funcionário 2: O tipo nunca aceita horas extraordinárias. Não tem mail, nem usa smartphone, muito menos redes sociais.
Funcionário 3: Então não vêm que é um bicho raro. Diz que não prescinde de ir buscar a mulher ao emprego e ir com ela tomar o lanche.
Funcionário 1: Outro dia o Sr. Lemos avisou-o que ele tinha de mudar de norte, ao que ele respondeu que cumpria as suas obrigações mas que defendia o seu tempo privado. Que parvo, não admira que todos lhe passem à frente.
Funcionário 2: O pior é que o gajo não tem consciência, anda para aí satisfeito. Até parece que todos os dias vai a uma sociedade lá no bairro dele. Dizem que é bom a jogar xadrez. Irresponsável!
Funcionário 3: Nós aqui a darmos ao litro, sem tempo para nada, horas sobre horas e o cretino na boa. Sim, eu estou sempre ligado á empresa, atendo todas as chamadas, respondo a um mail qualquer que seja a hora... e ele nada. Há dias disse-me: eu não quero deixar de sentir que tenho tempo.
Quando as pessoas incorporam a inevitabilidade de não terem tempo entra-se em alerta vermelho. Deixaram de se perceber como humanos e de atender ás necessidades humanas, uma delas o lazer. Estamos imersos numa cultura que valoriza o estar atarefado, a hiperprodutividade a ganãncia. A cenoura está sempre á frente do burro e este corre corre para a mastigar, sem nunca o conseguir. Critica-se e culpabiliza-se os que se mantêm íntegros e afirmativos na defesa da qualidade do viver.
O tempo pessoal e social são indispensáveis à vida, não podem ser sugados pelo tempo do trabalho.
ALERTA! Fatores psicossociais no topo das problemáticas de saúde ocupacional.www.alterstatus.com
Ecos da Consulta
Caso de mulher de 56 anos, funcionária numa Camara Municipal, com o pai com Alzheimer e a mãe com Linfoma ativo.
A Glória- já fui parar ao hospital. Não estou a aguentar. Deixei de dormir. Deixei de comer. Estou um farrapo.
O marido- ela já falou em desistir de viver.Não suporta a culpa de ter posto o pai num lar.
A Glória- esse ainda é o menos, ele já nem me conhecia. Pior é a minha mãe que precisa de tratamentos frequentes e consultas. Não me deixam acompanhá-la, no trabalho nem querem saber.
O marido- tenho sido eu a fechar a loja e a ir com a minha sogra. Deixo de ganhar mas…, vá lá que ainda posso.
A Glória- é de enlouquecer. No hospital muita vezes criticam ir o meu marido para os tratamentos em vez de eu que sou a filha.
O marido- pois, é muito dificil além de não termos qualquer apoio- quem trabalha não pode faltar para acompanhar tratamentos de familiares dependentes- ainda nos sujeitamos ao gozo.
Desfeito o quadro em que os papéis sociais se definiam pelo sexo, nada justifica a sobrecarga feminina ou mesmo o questionamento exclusivo da mulher quanto à compatibilidade entre família e trabalho. O problema do cuidado familiar diz respeito a todos. Mas para isso TODOS devem ter a possibilidada da CONCILIAÇÃO entre TRABALHO e VIDA FAMILIAR. E esta embora prevista em documentos não existe na vida real.
Como é no seu caso. Sente que no seu local de trabalho existem essas atitudes e politicas de boa conciliação?
Consulte o que diz a Segurança social sobre este tópico em
http://www4.seg-social.pt/documents/10152/13331/conciliacao_vida_profissional_familiar
ATENÇÂO!
Riscos Psicossociais uma das principais fontes de má saúde no trabalho
Para quem quer saber mais sobre os riscos psicossociais no trabalho aqui está a publicação de Janeiro 2015 da Confederação do Comércio e Serviços. Mais que pertinente.
Clique aqui para aceder ao documento
3 – fazer xixi nas calças é normal
Estes são comentários retirados duma página acerca do trabalhar num determinado local. Independentemente de ser aqui ou ali, é recorrente ouvir estas descrições de “estar acorrentado” a um posto de trabalho.Ora, isto NÃO É NORMAL, NÃO É ACEITÁVEL.
Qualquer organização de trabalho tem de prever pausas, e cumpri-las, mas não só: há que haver um plano B para as contingências. São seres humanos os que produzem trabalho, não são máquinas. Mesmo estas têm “flops e passamentos”. O Trabalho tem de atender às necessidades humanas, sem que isso signifique rebaldaria ou ineficiência. É, pelo contrário, um trabalho bem pensado e bem executado quele que mais frutos dará.
Nas consultas, uma doente com sintomas de urgência urinária e poliaquria (necessitava de ir depressa e frequentes vezes urinar) reportou-me que a obrigaram a usar fralda. Num outro caso comprovei que na função de caixa “não são permitidas aflições “vi a funcionária a defecar no posto enquanto aflita insistia num imediato fecho daquela linha de produção.
E então? Há que guardar o xixi e outros fluidos dentro? Sairá uma norma que obriga a colocar uma rolha em todos os orificios humanos? Ou o uso de fraldas será compulsório?
Por um trabalho menos louco!
No princípio: "saiam da frente que EU , o único é tão especial, estou a chegar. A partir daqui tudo vai ser muuuuiiito diferente, muitíssimo melhor" E os meses a passar: " Então? EU estou aqui.... Heei? Gente abram os olhos..... Eu posso contribuir.... Querem ouvir-me?... Se faz favor , um poucochinho de atenção a mim.... Perdão não quero incomodar, mas....Talvez haja aí algum trabalho menor onde eu possa entrar....Eu compreendo, ainda tenho muito para aprender... Se calhar um estágio não seria mau... Posso ser flexível, adapto me a outras funções, por exemplo moço de recados...Serei transparente, quem me liga? No final: está se bem se tiver companhia para uma tarde livre. Tenho tantas.... As expetativas vão sendo esmagadas e a vida é dura. Ilusões todos têm.